quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Paulo Coelho

Nada mais interessante e sintomático do que o modo como Paulo Coelho provoca azedume na academia do saber brasileiro (leia-se aí: os intelectualóides dentro e fora da cidadela universitária bem como a praga circulante nos escaninhos intitucionais). Dou exemplos: o despeito dos resenhistas de livros em jornais e revistas nunca deixa de ser evidente, chega até aqueles que dizem "não li e não gostei"; da academia mesma, basta lembrar aqueloutro que se deu o trabalho de escrever um livro para mostrar que Paulo Coelho não escreve bem; do governo tupiniquim, lembre-se daquela cerimônia no Palácio de Buckinghamem em que P. Coelho era convidado da realeza, e a diplomacia brasileira fez questão de ignorá-lo (saiu num jornal). Com tudo isso, parece que só se salvou desse famigerado azedume a ABL, que não teve nenhum constrangimento de tornar imortal o escritor brasileiro mais traduzido do que Shakespeare.
Voltando à "academia do saber brasileiro": tão pretensiosa e incompetente que só lhe resta ser despeitada. Por isso igualmente estulta. Com isso quero dizer que Paulo Coelho é tanto original quanto grande escritor? Não, senão que me custa entender por que não se aceita que ele seja um best-seller além da conta. Por que ficar irritado por ele ser já tão pop e universal quanto os Rolling Stones?

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

O touro e a besta humana

Na tauromaquia, o touro talvez pressinta que será aniquilado não importa a bravura bde sua atuação: as adagas que lhe vão sendo estocadas servem exatamente para minar-lhe as energias de modo premeditado, para que sua bravura decaia rapidamente em fraqueza e humilhação. Dá-se-lhe apenas a saída cinicamente armada (pois o touro nunca é inteligente o bastante para não se deixar levar pela provocação) de poder atacar. É o ataque que o faz entrar num jogo cujas regras / signos são dominados e inteligíveis apenas para humanos. Mas é que, sendo a aniquilação o seu fim, que lhe resta senão o ataque? Afinal, a natureza de um touro, se não é velada pela razão, tampouco o é pela covardia. Por outras palavras, na tourada morre o touro por causa de sua bravura...

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Coisas do Oriente

O pensamento oriental espelha a linguagem introspectiva por excelência. Uma linguagem preponderantemente não-agressiva. Diferente da linguagem ocidental, que é basicamente agressiva. Uma linguagem agressiva reflete um espírito agressivo e, claro, 'extrovertido'. Essa extroversão caracteriza e define uma maneira muito específica de agir sobre o mundo. Enquanto a introversão oriental privilegia a convivência e o equilíbrio, a extroversão ocidental anseia pela conquista e o controle. Trata-se duma oposição bem definida, onde uma rede muito tênue tenta estabelecer ações de contato ou interação. Acontece que um pensamento tão fortemente extrovertido carece de um contra-peso, alguma forma de contenção de seu virulento ativismo...

Além do desconhecido

Há sabedoria (sentido) nesse longínquo (às vezes inencontrável) lugar a que você é conduzido pelo tempo (às vezes à força, como que simplesmente empurrado)? Dizem os 'entendidos' que sim. Que essa é a meta suprema. Então, seu verdadeiro encontro não é com o outro, jamais - senão com o mesmo - que é você; e que você há de encontrar se continuar caminhando, percorrendo paisagens, ambientes esquisitos, assustadores - paisagens e ambientes que podem muito bem contaminar, afetar, infestar, mutilar, marcar, perturbar quase além da conta, também machucar quase além da conta seus sentimentos e sentidos - por vezes os dois simultaneamente; ou um mais que o outro, ou um e nunca o outro. Mas cuidado: a morte pode tragar-lhe esse encontro. Será por isso que ela - na inquieta imaginação das antecipações - nos deixa tão eternemente apreensivos?

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Wittgenstein

A menos que você procure, talvez jamais ouça ou leia, fora do círculo acadêmico, sobre um filósofo chamado Wittgenstein. Acho que foi por volta dos 18 anos que li algo escrito por ele. As Investigações filosóficas (sua segunda obra-prima; a primeira foi o Tractatus Logico-philosophicus). Não entendi nada. Um texto com anotações sobre filosofia da linguagem. Na ocasião, por não conseguir decifrá-lo, estava a ponto de desistir. Ocorre que, antes, eu tinha lido sobre sua vida. E se você ler sobre a vida de Wittgenstein, não vai deixar de querer conhecer sobre suas idéias também. Mas então você depara com um pensamento pra lá de complexo. Ainda assim, se você persiste e consegue vislumbrar, nem que seja minimamente, por onde caminham suas idéias, é pouco provável que não se deixe envolver. Wittgenstein foi, muito provavelmente (há quem diga que não), o maior pensador do séc. XX. De qualquer modo, um dos maiores. Foi o únco pensador que conseguiu me persuadir de que escrevia, observava ou assinalava coisas que eram realmente significativas. Também foi um dos poucos, na minha opinião, de quem emanava sinceridade, tanto moral quanto intelectual.

Wittgenstein tinha isto que Paul Tillich chamava de "coragem de ser". Na véspera de sua morte, depois de longa batalha contra um câncer, a mulher do médico que o acompanhava lhe disse que alguns de seus alunos de Cambridge viriam visitá-lo no dia seguinte. Então ele disse, antes de perder a consciência: "Diga-lhes que tive uma vida maravilhosa."

Há uma excelente biografia de Wittgenstein em português e que também serve como introdução elementar a seu pensamento: O dever do gênio, de Ray Monk. Existe ainda um livrinho muito acessível e que aborda um aspecto das idéias wittgensteinianas: Wittgenstein: sobre a natureza humana, de P. M. S. Hacker.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

lingua meditativa

1
A mente carece dum espelho. O espelho, simbolicamente, tem a virtude de promover uma decantação doconteúdo psíquico. Ele produz discernimento, isto é, compreensão - o que implica consciência; ele faz recuar para a reflexão, que ordena e acalma. Cada um deve procurar seu espelho.
Então, em que espelho você tem se mirado? Cuidado para que não seja naquele oferecido pelos outros.
(inspirado em Hamlet, ato 3, cena 2,linha 25)

2
A palavra "fonte" insinua um lugar donde algo flui, mas que por isso mesmo perde o vínculo, abandonando-se a si mesmo. O termo "fundamento" (em alemão grund; em inglês, ground), por outro lado, implica tanto uma fonte quanto condição de existência: o abandono da fonte pode acarretar a anulação do ser. Anulação, aqui, não quer dizer extinção física do ente, claro, mas a deformação ou simplesmente perda do seu sentido; em outros termos, desestruturação da unidade ou continuidade do ser. É o fundamento, então, que evita a fragmentação ou, o que dá no mesmo, sustenta a unidade. Ele é, por conseguinte, o ponto para onde você sempre retorna, de onde você se afasta, quando muito, apenas por esquecimento ou distração. Ele permanece o mesmo em todas as fases da existência: você está no fundamento seja na idade juvenil, madura ou na velhice.

Premonição

Forçado
o brando aviso
teve curso
teve norte:
tive medo.
Disseram:
Não,há de perder
o prumo
sair do rumo
virar grande mistério.
Disseram:
Chegará
só em junho
sem vigor
talvez castiço
servo de tudo
e mestiço.
Disseram:
E se castiço
não trará castigo
nenhum desastre
nem má sorte.
Disseram ainda:
Ah, é como um doente de amor
esperando um milagre.
Eu disse:
Contudo, nada se move
com outro eixo
sem ter mau desfecho.
Disseram:
Ah, o que chega
não arrasta nenhum destino
só novidades, rapaz.
Certo, eu não era menino
e muita coisa já era fugaz
duma ligeireza feito sombra:
assim, na véspera qu'eu desconhecia
carreguei minha alegria pra bem longe...

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

lingua provocativa I

1
Diferença entre esquerdistas e direitistas antes de chegarem ao poder: estes prometem não cair em tentação; aqueles acreditam piamente que o inferno não está cheio de boas intenções.

2
Ideologia: espécie de antolhos levados por todos os indivíduos. Com ela cada um acha que os antolhos dos outros são mais estreitos que os seus...

lingua profana I

Salvador Dalí consegue viver uma vida mítica ou simbólica. Pelo menos até onde isso é possível para um ser humano. Façanha não menos que heróica - isto é, mítica. Seus quadros narram sua própria mitologia. Port Lligat é seu Olimpo.

palavras ao vento

1
Trivial: os motivos são emotivos.

2
Há dias noturnos
e noites diurnas
trocando segredos
de semanas atrasadas,
meses tardios
e anos perdidos.

3
Que tolice
essa guarda incerta
de toda véspera!
- Não sabes que
muita espera
é véspera sem fim?

4

Toda urgência é desmedida.
E toda prova de paciência
dura desmedidamente.

São horas que se encontram:
As que vão muito depressa
às que vêm muito devagar.

5
Time is so free
investing on irony
and when unhappy
drawing back in memory!

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Bem-vindo!


Desconhecido, se você vier passando
e der comigo e me quiser falar
- por que não há de falar comigo?
E eu, por que
também não haveria de falar com você?

Walt Whitman